Hybrid e-commerce: o fim da exclusividade

Sandra Caravana
Copywriter

Comprei umas sapatilhas* num site de desporto multimarca. Quantos quilómetros irão fazer as minhas sapatilhas até chegar a minha casa?

*ler sapatilhas ou ténis, dependendo da zona do país onde vive.

Como consumidor/a (ou shopper – para efeitos deste texto, iremos juntar os dois sentidos), tradicionalmente, desloco-me a uma loja e escolho as sapatilhas.

Sandra Caravana
Copywriter

Comprei umas sapatilhas* num site de desporto multimarca. Quantos quilómetros irão fazer as minhas sapatilhas até chegar a minha casa?

*ler sapatilhas ou ténis, dependendo da zona do país onde vive.

Como consumidor/a (ou shopper – para efeitos deste texto, iremos juntar os dois sentidos), tradicionalmente, desloco-me a uma loja e escolho as sapatilhas.

Fonte: Pixabay

Porque vou eu a essa loja? Pelo preço e pelas marcas. E deixemo-nos do discurso da ‘marca branca’ – é desprestigiante para marcas que já se afirmaram no seu nicho. Veja-se o caso da Quechua. Os escuteiros não comprar tendas da marca branca da Decathlon, mas sim tendas da Quechua.

Sapatilhas escolhidas – experimentadas com mais ou menos originalidade por parte da loja – e siga para a caixa de pagamento. Estão prontas a usar.

Se comprar as sapatilhas online, não tenho a experiência do consumidor – calçar as sapatilhas antes de a comprar e conversar com um vendedor que também usa as mesmas sapatilhas. Mas, regra geral, há mais opções online. As lojas físicas têm um espaço limitado (por maiores que sejam) e é por isso que se fazem escolhas de gama.

Sei, comprando online, que tenho de esperar que as sapatilhas façam a viagem da loja (ou armazém/fábrica) até à minha casa. E se eu não estiver em casa no momento de entrega, as sapatilhas fazem mais uma viagem até algum armazém, onde terei de a ir buscar. No problem, o que interessa é que as sapatilhas chegaram.

O desafio para hoje é colocarmo-nos no lugar das sapatilhas.

Qual é o grande dilema? As sapatilhas não escolhem o seu percurso. Elas querem ir para casa – consumidor final – mas até lá, podem ter várias casas. Ou famílias de acolhimento temporário, será aqui o termo mais correto?

A marca H e as sapatilhas SUPER

Eu represento a marca H (vamos ser inclusivos e deixar de usar sempre o X ou Y). Criamos umas sapatilhas que, além do design futurista, tem uma tecnologia que permite ao pé respirar, evitando que o seu usuário fique com os pés transpirados no final do dia. Até batizamos este modelo: SUPER.

As sapatilhas SUPER são fabricadas (não vamos aqui entrar em detalhes sobre em que parte do mundo) e são expedidas para onde nós quisermos. Esta escolha está relacionada com o modelo de negócio escolhido pela minha empresa.

Falaremos aqui de modelo de negócio no sentido da transação da compra/venda.

Fonte: Pixabay

Breve introdução aos modelos de negócio

As siglas desta parte dos negócios de vendas são intuitivas, mas tome nota:

  • B2C (business to consumer | da empresa para o consumidor/a): Clássico. Venda direta. A relação comercial ocorre entre a empresa e o consumidor final (ou shopper) e não envolvendo nenhuma ação de terceiros.
  • B2B (business to business | de empresa para empresa): a relação de consumo é entre empresas, não envolvendo o consumidor final. A venda/compra tem a finalidade de suprir uma necessidade da empresa – que pode chegar, ou não, ao consumidor final.
  • B2E (business to employee | da empresa para o funcionário): ocorre quando a empresa fornece descontos ou formas de pagamento que não são aplicadas para o mercado. Desta forma, os funcionários podem comprar os produtos/serviços da empresa na qual trabalham de forma diferenciada.
  • B2G (business to government | da empresa para o governo): é a relação comercial entre empresas que vendem, ou prestam serviços, para o governo – seja para municípios ou a nível nacional. São empresas com um histórico de resposta a concursos públicos. Este modelo não precisa de ser exclusivo. 
  • B2I (business to investor | da empresa para o investidor): a relação comercial acontece entre a empresa e o futuro investidor e funciona como uma prestação de contas, onde a empresa que está a vender apresenta os seus projetos, dados e informações. Muito utilizada no ramo imobiliário.
  • D2C (direct to consumer | da indústria para o consumidor/a): é um modelo de negócio que se assemelha com o B2C. Aqui a diferença está na fonte provedora do produto – em vez de ser uma empresa que vende, a comercialização dá-se diretamente pela indústria fabricante. É fácil de identificar com a etiqueta ‘preço de fábrica’.
  • B2B2C (business to business to consumer | de empresa para empresa para o consumidor)

Bem, já percebemos. 

Portanto: para onde vão as SUPER?

A escolha de um modelo B2B ou B2C está intimamente ligada ao storytelling do produto, à sua estratégia de marketing, à forma como a marca decide comunicar com o shopper e com o consumidor final.

Quero fabricar as SUPER e vender diretamente ao consumidor final: significa vendas rápidas. A marca está a falar com quem usa o produto. Segue o modelo mais tradicional e abre loja física e online, com o nome da própria marca: H. Vai estar presente em centros comerciais e no comércio tradicional – OU em exclusividade num deles. Essa escolha está relacionada com a persona criada/escolhida pela marca (o consumidor/a ideal).

Quando escolhemos um B2C, o mais comum é não ter encaixe financeiro para ter uma loja/armazém, um grande espaço com corredores e mais corredores de produtos, lineares alinhados e organizados por preços. Mais conhecido como comércio a retalho.

Estas lojas/armazéns são construídas de raiz (preferencialmente) por modelos de negócio B2B – ATENÇÃO: isto não é tão taxativo assim, mas é sim o mais comum. Para este exemplo, estamos a falar das tais lojas multimarcas: a loja MM vende sapatilhas da sua marca, mas também de outras marcas, pelas quais não tem nenhuma influência na construção do produto, ou na história deste. A loja MM pode, se assim a marca H o permitir, inserir as sapatilhas SUPER na sua gama e vender em loja. Mas a decisão está no lado da marca H: B2C, B2B ou D2C.

No mundo digital, a escolha do negócio também apresenta diferenças.

São muitas decisões a serem tomadas:

  • Vendemos em exclusivo no nosso site?
  • Vendemos em exclusivo no site de lojas multimarcas?
  • Vendemos em ambos?
  • Vendemos em ambos, com preços diferentes? – Sim, a lei do mercado assim o permite, até porque…

o preço do produto também depende da viagem que este faz.

Qual é a grande vantagem de vender online?

Além de aumentar o volume de negócios?

Sabemos quem compra o nosso produto (shopper) e sabemos quem usa o nosso produto (consumidor/a). Comprar e usar são coisas diferentes. O melhor exemplo são as lojas de brinquedos. Quem compra? Os adultos. Quem usa? As crianças. Portanto, temos aqui dois públicos para analisar.

Queremos saber tudo, TUDO, sobre eles. Fica tudo registado, como um histórico, como a pegada digital. Maravilhas do e-commerce.

SÓ QUE…

se eu só vendo as SUPER nas lojas multimarca, eu não sei quem é o meu consumidor final. Abdico desses dados. Mas esses dados são os que nos possibilitam ter produtos que vão ao encontro das necessidades e interesses dos clientes.

Escolhas, escolhas, escolhas…

Fonte: Pixabay

No B2C, o processo de vendas é focado nas necessidades individuais do cliente, sendo o ciclo de vendas curto, com uma grande (ou média) componente emocional.

No B2B, expandimos o nosso ciclo.

Temos mesmo de escolher um dos modelos?

Sim e não. No típico português, depende.

Mas podemos ter um modelo de negócio híbrido.

Um modelo híbrido permite reunir, numa única plataforma, toda a estrutura digital: bases de dados dos clientes, informação sobre o produto, conteúdo, artes gráficas, preços, margens de lucro… bem, toda a informação que quiserem cruzar. Portanto, o modelo híbrido tem uma única plataforma de e-commerce. E quem vai analisar estes dados, será também uma única equipa – equipa reforçada, claro está. Pois aqui, o trabalho de data analysis exige criar e analisar vários perfis de clientes.

Tudo isto para uma melhor…

optimização do negócio. Óbvio. Está tudo num único sistema, até a estratégia de marketing. Aliás, estratégias. No plural. Para o mesmo produto, podemos ter imagens e copas diferentes, dependendo do local da venda.

Este modelo híbrido terá uma vantagem sobre a sua concorrência: é possível criar produtos personalizados e estratégias de marketing diferentes para shopper e consumidores.

Fonte: Business Webstars

E sobre o merchandising?

Ah, quem não adora uma oferta de uma totebag, uma caneta… um bloco de notas!

Negócios cujas trocas comerciais são B2B em exclusivo, não apostam muito em merchandising. Faz sentido: porquê investir se não somos nós a vender diretamente ao consumidor/a? Podem, e normalmente fazem, construir no ponto de venda um layout para o seu produto. Um bom exemplo disto são os enormes e coloridos móveis cheios de bolachas, igualmente cheias de açúcar, nas pequenas mercearias. Não existe loja da marca dessas bolachas, mas está investe em criar expositores compatíveis com o pequeno negócio que comercializa essas bolachas.

Já num negócio híbrido, o merchandising é importante e está tudo escolhido e descrito na tal única plataforma, com um budget bem definido.

Concluindo:

Um modelo de negócios híbrido é um crossover. Sim, como quando as personagens de Grey’s Anatomy fazem uma viagem até ao mundo de Station 19. Esta analogia faz todo o sentido: no primeiro episódio de Grey’s Anatomy não existiam plataformas de streaming. Tínhamos de esperar que a RTP2 comprasse a série e só tínhamos direito a visualizar um episódio por semana. Hoje, podemos ver Grey’s Anatomy online, no nosso pc, tablet, smart TV. É a evolução natural das coisas para o mundo digital.

A frase chave deste modelo híbrido é EXPANDIR: mais clientes, maior base de dados, maior volume de negócios. E por outro lado, POUPAR: uma única plataforma de e-commerce.

É tudo um mar de rosas. Só que não.

São escolhas, acima de tudo.

Ao alterar o seu negócio, os clientes irão ser mais exigentes.

Vamos falar da Nespresso? What else?

A Nespresso está entre os projetos mais lucrativos na Nestlé com crescimento constante há duas décadas, embora o início da sua história remonte a 1970. Podem ler mais sobre este longo caminho aqui.

A Nespresso chega a Portugal com uma loja física no Chiado, Lisboa, em 2003. Loja não – Boutique. Então, eu que sou de Coimbra tinha de ir a Lisboa comprar a máquina e as cápsulas de café? Não. O site disponibilizava essa opção. Principalmente, pelas cápsulas. Decidem abrir em 2007 nova boutique no Norteshopping. A marca já não está somente em locais nobres, também chega aos centros comerciais. Em 2009, abre nova boutique no Porto, e a partir daqui foi-se normalizando estas boutiques – pequenas lojas onde as cápsulas estão expostas para venda e consumo, numa lógica de experiência do cliente. Mas até chegarmos a este ponto, o consumidor Nespresso de Coimbra tinha de comprar as cápsulas de café diretamente no site da Nespresso. Porquê? Porque a Nespresso não vende em grandes superfícies comerciais, não vende aos pequenos negócios nem ao comércio a retalho.

Em 2022, a Nespresso continua a não comercializar as cápsulas para outras superfícies comerciais venderem, mas as máquinas de café da marca Nespresso estão ao nosso alcance em qualquer loja de electrodomésticos.

É de facto um exemplo interessante que mostra escolhas diferentes, sem exclusividades.

Será que viveremos ainda para ver as cápsulas de café Nespresso à venda nas grandes cadeias de supermercados? Aquela vermelha? Ou aquele verde… Baby steps, sem nunca fugir ao conceito original da marca.

Fonte: Pixabay

E a Nike? A Nike avançou para a opção híbrida: podemos comprar pelo site da Nike, nas lojas da Nike e nas lojas multimarcas. E nos sites das lojas multimarcas.

Assim, a troca comercial preferida da Nespresso é a D2C: direct to client. A Nike é B2B, D2C, B2C…

Num D2C, as minhas sapatilhas SUPER até podem ter um preço mais baixo, porque não têm muitos quilómetros a fazer. Mas se a marca H decide vender também ao comércio a retalho, tem o direito de aumentar o seu valor, porque há mais trabalho de logística. Para igualar o valor, a loja multimarca tem de baixar a sua margem de lucro. Contas fáceis de fazer.

A este modelo híbrido, decidimos dar um nome em siglas: B2E – business to everyone.

Fará mais sentido? Ou é populista demais para o mundo dos negócios?

Não terminaremos este artigo sem mencionar a troca C2C – client to client. Sim, também podemos vender a nossa máquina Nespresso num OLX desta vida. A internet possibilitou o e-commerce e as redes sociais desenvolveram o C2C. E aqui, não há impostos, taxas nem legislação e controlo das trocas.